Nelson Rodrigues dizia que o que dói na bofetada é o som. O som da humilhação. Sendo assim, se a ação, ao menos no drama, vale mais do que a palavra, o som valeria mais do que a ação. De fato, Chaplin renunciou às palavras, mas trabalhava de modo obsessivo as suas trilhas. Foi por causa de um som que sua florista pôde confundir um andarilho com um milionário. O som desperta. O mesmo acontece na literatura – os estados de ânimo são construídos pelo escritor, por certo, pelos significados, mas também pelos seus significantes. E todo significante é sonoro. Ouve-se a palavra até no silêncio – do engenho ou da memória auditiva que começou a crescer ainda no útero.
O texto literário, ainda que em matéria muda, representa um objeto sonoro como acontece à notação musical. Com a diferença de que a música chegou na dissolução da nota e a literatura será sempre uma arte de fonemas. Cada verso da poesia e cada linha da prosa são construídos como frases musicais. A ideia procura o som que as vai transmitir do mesmo modo que a melodia procura os acordes a fim de realçar ou subverter o afeto harmônico que lhe é intrínseco.
Escritor e compositor escrevem o que ouvem e ouvem o que escrevem: as organizações métricas, as distribuições rítmicas e as construções melódicas que produzem. O escritor, tal como o músico, procura a tensão e o repouso, um tempo dividido e uma colocação vocal por região. Segundo Ezra Pound, os poetas deveriam saber música, ao menos, como a sabe um músico medíocre.
Ocorre que, ao plasmar suas figuras e seus silêncios, o poeta, senhor da palavra escrita, vai deixar nos significantes parte da musicalidade que criou. Não poderá, contudo, garantir que repitam seu timbre, sua região tonal ou sequer quando ela deverá ficar forte e fraca. A materialização dos sons do poema está nas mãos daquele que o lê ou que o declama. Continue reading