Mais Sala Lírica: Machado de Assis e Camilo Pessanha

Sala Lírica, (projeto de Mariella Augusta e Flávio Villar Fernandes) nas suas últimas líricas dá som, música e voz a poemas de Machado de Assis e de Camilo Pessanha.

Em Sala Lírica, a música não é ilustração, mas elaboração, o texto cabe lá dentro e é resignificado. Existem alterações da voz em eco, filtro ou em  mudanças de interpretação. As palavras passam a habitar outros sentidos. Cada poema em Sala Lírica é uma nova obra.

Vozes no teatro vicentino… Colóquio Internacional Gil Vicente na mudança dos tempos

No próximo dia 24 de novembro, um dos investigadores de Vox Media, Nuno Meireles, participará no Colóquio Internacional Gil Vicente na mudança dos tempos

O doutorando em Materialidades da Literatura falará de

Vozes de mortos, vivos, alegorias e risos. Ou de como falam os géneros vicentinos.

 Como fala um diabo? Como será a voz de um morto? Um conceito pode falar? Como se escreve uma gargalhada? Vicente, no seu teatro, responde a estas questões com uma imensidão de personagens sobretudo em três géneros dramáticos: farsas, tragi/comédias e moralidades. Escreve para vozes e descreve vozes. Coloca enganadores a mentir, mortos revoltados com a sua morte, alegorias em linguagem corrente e quase todos a soltarem gargalhadas metrificadas. Vemos, então, em todas estas personagens a voz nos géneros vicentinos.

O evento tem organização de José Camões do Centro de Estudos de Teatro/FLUL e conta com a Conferência de José Augusto Cardoso Bernardes, do CLP/FLUC.

PROGRAMA
10.00h – Abertura
10.15h – José Augusto Cardoso Bernardes | Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Gil Vicente: o Todo e as Partes
11.00h – Márcio Muniz | Universidade Federal da Bahia
Copilaçam, 1562: Ordenamento do livro terceiro, que é das Tragicomédias
11.30 – Manuel Calderón | Centro de Estudos de Teatro | FLUL | Universidade de Lisboa
Mudan los tiempos, mudan los afanes. La métrica del teatro de Gil Vicente
12.00 – Pausa
12-15 – Lenora Pinto Mendes | Scriptorium | Universidade Federal Fluminense
Dom Duardos: teatro e música na corte de D. João III
12.45 – Edward Abreu | Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical | FCSH |
Mensagens políticas de Gil Vicente na cena lírica do Estado Novo
13.15h – Almoço
15.00h – Helena Reis Silva – Centro de Estudos de Teatro | FLUL | Universidade de Lisboa
Da distribuição das figuras
15.30 – Ana María Tarrío | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Deuses e heróis em Gil Vicente
16.00h – Nuno Meireles | Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra
Vozes de mortos, vivos, alegorias e risos. Ou de como falam os géneros vicentinos.
16.30h – Pausa
16.45 – Isabel Almeida | Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
“O nosso Gil Vicente”: memória do autor, presença da obra (sécs. XVI-XVII)
17.30 – Encerramento

Data do evento: 24 de Novembro de 2022
Local: Auditório do Museu Nacional do Teatro e da Dança
Horário: 10h00-17h30

 

 

Novo episódio do Podcast Vox Lit – 6

Vox Lit é o podcast que dá a ouvir a voz das materialidades da literatura. Um desafio entre exploração e divulgação da nossa constelação matliteana.

Vox Lit é uma iniciativa Vox Media com participação ativa de outros estudantes e doutorados do Programa Doutoral FCT em Materialidades da Literatura.

Aqui está o sexto episódio:

Possibilidades estéticas, tecnológicas e institucionais da voz nos estudos literários

No passado dia 20 de julho de 2021, Osvaldo Manuel Silvestre fez a apresentação de “Possibilidades estéticas, tecnológicas e institucionais da voz nos estudos literários”, em debate com Pedro Serra.

Moderação de Diana Klinger.

“No âmbito do Programa Doutoral em Materialidades da Literatura, o projeto VOX MEDIA:A Voz na Literatura, um dos três em que nesse Programa se encontra organizada a pesquisa,responde às solicitações de um objeto a um tempo presente e ausente da própria ideia de literatura. Nos seus quase 10 anos de trabalho, o projeto acolheu já trabalhos de tese de doutoramento, colóquios, publicações (algumas em curso), mas também performances,espetáculos, transferências e, por último, um podcast regular. A fala tentará apresentar todas estas dimensões de um trabalho assumidamente cosmopolita e internacional, bem como as suas implicações numa ideia disciplinar de literatura e estudos literários ou, se se preferir,numa ideia de instituição.”

Tratou-se de uma iniciativa da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, que condensou as possibilidades de estudos em Vox Media.

Catatau (e leitura em voz alta)

No passado dia 27 de maio, aconteceu a transmissão ao vivo da primeira sessão de “Diálogos Atlânticos”, promovido pelo Gabinete Português de Leitura da Bahia e pelo jornal sinalAberto (www.sinalaberto.pt). Trata-se de uma “roda de conversas virtual sobre autores e obras literárias da língua portuguesa”, no canal do YouTube do Gabinete Português de Leitura da Bahia.

No primeiro encontro, Paulo Leminski e o seu livro “Catatau” foram analisados por especialistas brasileiros e portugueses. Osvaldo Silvestre (coordenador de Vox Media) foi o provocador do debate, moderado pelo professor Sandro Ornelas, do Instituto de Letras da UFBA. Os convidados foram o professor Pedro Serra, da Universidade de Salamanca (igualmente investigador do grupo Vox Media), e o escritor Breno Fernandes.

Breno Fernandes, precisamente, ao descrever as suas múltiplas tentativas de leitura de “Catatau”, explora e fundamenta a sua leitura em voz alta.

O leitor, abrindo-se a sons e músicas que apareçam, procura e joga com sentidos por meio da sua própria voz, e entra assim nas regras do próprio livro.

A voz na escrita ou “um belo ritmo alfa” – Os ‘casos’ de Herberto Helder e Gonçalo M. Tavares, por Raquel Gonçalves (ensaio convidado)

A voz na escrita ou “um belo ritmo alfa1” por Raquel Gonçalves

(Texto elaborado a partir da investigação em curso na minha tese de doutoramento em Materialidades da Literatura sobre as máquinas literárias de Herberto Helder e Gonçalo M. Tavares)

Cada boca pousada sobra a terra

pousaria

sobre a voz universal de outra boca

Herberto Helder

As obras de Gonçalo M. Tavares e de Herberto Helder são fortemente marcadas pelo corpo. Não há apenas uma mão que escreve, mas todo um corpo que se envolve num mecanismo onde a inscrição na página é o último movimento a ser concretizado. Neste sentido, a voz, enquanto manifestação desse corpo e enquanto produtora de linguagem, assume também um lugar cimeiro.

São múltiplas as formulações e realizações da voz nas obras de Helder e Tavares. Não se trata aqui de evocar as vezes em que os dois autores deram voz aos seus textos, lendo-os. Gonçalo M. Tavares fê-lo recentemente na performance Os Animais e o Dinheiro, numa curiosa encenação da oficina literária: o escritor sentado a ‘produzir’ texto, não escrevendo mas de viva voz, à medida que uma série de folhas de papel vão sendo descartadas ao seu lado.

Os Animais e o Dinheiro – Gonçalo M. Tavares e os Espacialistas

Herberto Helder também emprestou a voz aos seus poemas por três vezes, mesmo sendo um autor que reduziu ao mínimo a sua presença em prol de uma espécie de existência textual. A primeira foi em 1968 quando editou um single em vinil, no qual lê alguns dos seus poemas, entre os quais “Havia um homem que corria”. Mais tarde, editou um outro intitulado Poemas de Herberto Helder, hoje acessível através do YouTube.

Recentemente voltámos a ouvir a sua voz num CD que acompanhou a edição de um dos seus últimos livros, A morte sem mestre (2014).

Apesar da relevância que estas manifestações possam ter, dado que a leitura pelo próprio autor, acompanhada ou não de uma encenação da oficina literária, revela o que se poderia designar como o verdadeiro e pessoalíssimo ritmo dos textos, o que aqui pretendo ensaiar é uma tentativa de ir mais a fundo no papel que a voz desempenha no mecanismo da escrita, na definição dos seus ritmos, ou, como veremos, até na definição de um estilo, como é reclamado por Herberto Helder.

Tomo de empréstimo a noção de “um belo ritmo alfa” de Helder para ensaiar a possibilidade de a voz ser esse ritmo primeiro da produção literária, a primeira experiência da linguagem na sua vertente mais humana e ainda intocada pelas convenções.

Lembro, por me parecer relevante, que os três livros em prosa de Helder, apresentados como uma espécie de exegese da obra, ensaios poéticos sobre poesia, ou percurso de um poeta a caminho daquele que será o profundo sentido da sua escrita, são titulados com referências ao corpo e à voz: Apresentação do Rosto, Photomaton&Vox, Os Passos em Volta.

Se a escrita envolve um rosto e um movimento em volta de algo, envolve também uma voz que, em Herberto Helder, parece ocupar esse lugar cimeiro do caminho a percorrer em direção à poesia. Leio o primeiro texto de Os Passos em Volta, intitulado Estilo:

Começo a fazer o meu estilo. Admirável exercício, este. Às vezes uso o processo de esvaziar as palavras. Sabe como é? Pego numa palavra fundamental: Amor, Doença, Medo, Morte, Metamorfose. Digo-a baixo vinte vezes. Já nada significa. (HELDER, 2014:9)

Curiosa a circunstância de o estilo decorrer mais de um exercício da voz, ainda que em tom baixo, do que de um exercício de escrita. A voz como possibilidade de esgotar palavras, não talvez no sentido literal, mas naquela possibilidade de através da inconstância da voz se atingir uma espécie de esgotamento no qual as palavras não se fixam num único nível de entendimento ou significação, mas adquirem uma plasticidade mais conforme a uma poesia onde o encontro sempre novo entre palavras é a marca mais visível.

Herberto Helder continua o texto, desvendando a “artimanha” (palavra usada pelo poeta) através de um poema seu: “As crianças enlouquecem em coisas de poesia. (…) – E nada mais somos do que o poema onde as crianças se distanciam loucamente.” (HELDER, 2014:9)

Crianças a enlouquecer “em coisas de poesia” e alguém de fora a reclamar ser o poema onde “as crianças se distanciam loucamente”. O encontro raro entre palavras talvez decorrente desse exercício da voz, desse esvaziamento das palavras que depois permite o inusitado encontro entre elas. Helder clarifica: “Vê-se bem que não estou louco. Eu, não. As crianças é que enlouquecem e isso porque lhes falta um estilo.” (HELDER:2014:10). Esse estilo que falta às crianças, é aquele que se ganha à noite, a repetir palavras fundamentais em tom baixo, é também essa capacidade que nasce primeiro na voz, no humano que é falar para o escuro, que permite que o estilo seja “um modo subtil de transferir a violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação. (…) não aguentamos a desordem estuporada da vida. E então pegamos nela, reduzimo-la a dois ou três tópicos que se equacionam.” (HELDER, 2014: 7).

Dizer palavras como transferência de uma violência para um plano mental, aquele que justamente permite o esvaziamento. Depois é fazer com que essas mesmas palavras, que, à força de serem repetidas pela voz, já nada significam, atinjam uma outra unidade de significação, que permite não a própria loucura, mas a loucura das crianças ou o poema onde estas se distanciam loucamente. Aceito, então, que esta unidade de significação em Herberto Helder seja múltipla e plástica. Cito Roberto Juarroz: “A poesia não é mais do que a luta pela expressão, levada ao seu extremo: extremo do homem, da linguagem, da realidade. A luta pela expressão, adquirindo para a palavra, a liberdade da palavra.” (JUARROZ, 2020:7). Uma escrita que começa pela voz, pela criação de um estilo através da voz, reclama essa liberdade da palavra ou a liberdade para as palavras. Não fixá-las logo, dizê-las, deixar que oscilem na voz, que se modifiquem pela voz. Volto a Juarroz:

O mundo da poesia é o mundo da pura heterodoxia. Ou melhor: da pura heresia. Todo o verdadeiro poeta é um herético. E o herético é aquele que adere o “proceitos” e não a preceitos, a resultados e não a premissas, a criações, a poemas e não a decretos. (JUARROZ, 2020:10)

Que a poesia, ou o estilo em poesia comece com a voz ou com algo que se torna audível, com algo que se repete é uma heterodoxia, à qual Herberto Helder dá continuidade ao estabelecer um paralelo entre este movimento de criação de um estilo pela voz, com um outro movimento que é o de ouvir música e estudar matemática:

João Sebastião Bach. Conhece o Concerto Brandeburguês nº5? Conhece com certeza essa coisa tão simples, tão harmoniosa e definitiva que é um sistema de três equações a três incógnitas. Primário, rudimentar. Resolvi milhares de equações. Depois ouvia Bach. Consegui um estilo. Aplico-o à noite. (HELDER, 2014: 9)

A harmonia, o primário, o rudimentar, o ouvir música e resolver equações, é isto que leva ao estilo que depois se exercita na simples repetição de palavas à noite até perderem o significado para poderem ganhar um outro, ou outras possibilidades. Porque, afinal, e cito Helder, os tópicos comuns do Amor ou da Morte são “uma dessas abstrações que servem para tudo” (HELDER, 2014:8). A não ser, é claro, que se exercite o estilo, ou a liberdade de Juarroz, que se use a voz nesse mecanismo de fazer ascender as palavras “como se a tua frase fosse um buraco brilhando até os pulmões, com o sangue e a língua na minha garganta”. (HELDER, 2015:9). Intuo, por fim, que só a frase que toca pulmões, garganta, língua e sangue – a voz na sua mais ampla capacidade – pode criar uma poesia que evite a abstração que serve para tudo. E, neste exercício, teríamos então a poesia de Helder como plena concretização dessa “escrita exercida como caligrafia extrema do mundo, um texto apocalipticamente corporal” (HELDER, 2015:10) e um texto que nasce da voz enquanto manifestação audível desse corpo.

É, em suma, uma poesia que rejeita o facilitismo milagreiro. Até porque, “é sempre fácil caminhar em cima das águas, mas é impossível fazê-lo milagrosamente”. (HELDER, 2015:11). A Herberto Helder não interessa apresentar-se, mesmo podendo fazê-lo, “como uma vítima da escrita, da inocência, da neurose e suas instâncias psiquiátricas e psicanalíticas”. (HELDER, 2015: 11). O seu trabalho é outro, um trabalho físico, uma utilização da voz, e, através dela, da plasticidade das palavras. “Escrever é literalmente um jogo de espelhos, e no meio desse jogo representa-se a cena multiplicada de uma carnificina metafisicamente irrisória.” (HELDER, 2015:12). Sublinhe-se o metafisicamente irrisório para destacar o trabalho físico e pessoal da escrita, o trabalho que envolve pulmões, garganta, língua e sangue e que participa da criação de um estilo. Reafirme-se novamente a voz como o “belo ritmo alfa” da poesia. Não se trata de admitir que “qualquer poeta que tenha atravessado os túneis pode assinar a palavra “merda”” (HELDER, 2015: 12). Trata-se, antes, de construir esses próprios túneis por onde se vai passar, e as regras para os atravessar.

A primazia da voz sobre a escrita, ou a voz como garante de uma escrita que evita a abstração de tudo, que cria o esvaziamento das palavras e a sua unidade múltipla, que sustenta um estilo, é também defendida por Gonçalo M. Tavares ao fazer a distinção entre linguagem escrita e linguagem verbal, na máxima de que a voz ainda é corpo.

A voz ainda é corpo, apesar de fazer linguagem; a voz ainda é, pois, algo que não se domina por completo: não se domina a voz como se domina o sujeito, o predicado e o complemento directo. (…) A voz é um significado que treme ou, pelo menos, tem essa possibilidade; a voz pode tremer, elevar-se, baixar de tom, hesitar, ser sólida ou não (…), A linguagem, quando dentro da voz, torna-se orgânica: com variações próprias de um organismo, com a sua debilidade e a sua força, com a sua expressão”. (TAVARES, 2013:150,151)

Impossível não ler aqui a utilização da voz como uma garantia para evitar as abstrações que servem para tudo. Ao ser organismo, a voz impede aquilo que se pode perder quando se escreve: “Escrever, pelo contrário, é roubar organismo à linguagem, é desumaniza-la, é, de facto, retirar individualidade” (TAVARES, 2013: 151).

Então, que se pode fazer para não desumanizar a escrita? Tavares não deixa de responder a estas questões ao defender uma escrita que envolva o corpo, um exercício de corpo inteiro, um posicionamento desconfortável face às palavras e à linguagem.

“Uma águia é feita da mesma matéria que o verso. Para os observar (à águia e ao verso) o homem terá de levantar a cabeça até que o pescoço lhe doa; e para os respeitar terá de curvar a cabeça, até que, de novo, o pescoço lhe doa” (TAVARES; 2008: 52).

O texto tem de obrigar a que o corpo não se posicione de forma confortável. Há que “levantar a cabeça até que o pescoço doa” e esta não é uma posição de quem está a olhar para algo comum, ou para uma generalidade que serve para tudo, como diria Helder. O texto, poesia ou prosa, tem de valer o esforço, tem de ser esse voo de águia pelo qual vale a pena levantar a cabeça e aguentar a dor. Se assim não for, o texto é território já percorrido, percurso que não vale nem o desconforto, nem o espanto.

Gonçalo M. Tavares declara mesmo que a linguagem é um objeto que deve ser olhado por todos os lados:

Devemos olhar para a linguagem como se olha para um objecto – para uma mesa, por exemplo, e ver, por vezes, a linguagem de baixo para cima, de modo respeitoso, de cima para baixo, de modo altivo, observar depois um dos perfis da palavra, depois o outro; ver. os sapatos da palavra e o seu chapéu; a sua nuca e o seu rosto. Porque pensar também é mudar de posição relativamente à própria linguagem. Não olhar sempre da mesma maneira para as palavras. (TAVARES, 2013: 46).

Este exercício de Tavares é correlato ao exercício da criação de estilo de Herberto Helder. Às palavras ditas em tom baixo no escuro até que percam o seu significado para ganhar um outro que vá além das generalidades, Tavares contrapõe o posicionamento desconfortável do corpo face à linguagem e às palavras para que aquilo que a palavra ganha na voz, quando a palavra ainda é corpo, possa permanecer no texto, essa capacidade de tremer, baixar, ser sólida ou não, elevar-se, tornar-se orgânica com a sua debilidade e a sua força.

Por caminhos diversos, a criação do estilo numa escrita não convencional é, nos dois autores, a manutenção da humanidade de um corpo e de uma voz. A escrita como a concretização desse “belo ritmo alfa” que inicia o movimento de escrever e o estilo. Como postula Tavares: “estamos portanto no reino da mistura entre linguagem e corpo; fisiologia como base da linguagem e linguagem como meio de interferir na fisiologia”. (TAVARES, 2013: 455). Afinal, esta afirmação é análoga a essa “mão experimental (…) ao serviço escrito das vozes” (HELDER, 2015a: 438), ou à premissa de que “todo o discurso é apenas o símbolo de uma inflexão da voz.” (HELDER, 2015a: 273).

BIBLIOGRAFIA

HELDER, Herberto (2014) Os Passos em Volta, Porto Editora

HELDER, Herberto (2015) Photomaton&Vox, Porto Editora

HELDER, Herberto (2015ª) Poemas Completos, Porto Editora

JUARROZ, Roberto (2020) Poesia e Criação, Edições Sr. Teste

TAVARES, Gonçalo M. (2008). O Senhor Breton, Lisboa, Caminho.

TAVARES, Gonçalo M. (2013) Atlas do Corpo e da Imaginação, Lisboa, Caminho

1 Citação de Photomaton&Vox (HELDER, 2015: 30)

Yapp Yapp!!

Jaap Blonk (born 1953 in Woerden, Holland) is well-known in the rich niche of strange voices. 
Ursonate (1986) and Flux De Bouche ‎(1993) launched him in the international world of vocal experimentation. The turn of the century heard him turning-tables and mixing electronics…

Despite all the commitment, sound poetry is still a strange place:

Vox Media  through HIPOGLOTE — had the chance to hear Blonk’s testimony and the privilege of some live-improvised pieces.
Let’s hear him:

I was on that balcony again…

Imaginem uma viagem pelos Estados Unidos e Canadá a expensas da poesia sonora…

Impensável hoje. Concretizado nos anos oitenta – em 1982, mais precisamente.

Tiago Schwäbl e Nuno Miguel Neves à conversa com Clive Fencott acerca da sua tour de 82 com Bob Cobbing.
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(manu)(voce)(post)scriptum

Als das Kind, Kind war…

Homero senta-se, cansado, após ter subido uns poucos degraus. Os anjos passam por ele, ignorando-o. Colocam-se estrategicamente nas mesas ocupadas. Abraçam ao de leve os leitores. Outros encostam-se à balaustrada inclinando o pescoço. Algo se prepara. Candeeiros de latão repetem uma luz amarela. A imagem ampla sobe até aos altos tetos da estrutura. Ouve-se um murmúrio crescente. Começa a cena da Biblioteca.

Estudiosos de várias nacionalidades concentram-se, em silêncio, absorvidos pela leitura. Mas nós e os anjos ouvimos o marulhar incessante. Uma mescla de vozes – as vozes interiores dos leitores em silêncio na biblioteca de Berlin – expõe de forma invertida o silêncio da leitura que é hoje apanágio de qualquer biblioteca. Nem sempre foi assim: na Alta Idade Média blocos murmurantes envolviam os letrados, desfiando longos textos de memória. Hoje, fragmentos manuscritos asseguram essa construção histórica – só os anjos sabem efetivamente o que se passava nas salas dos escribas.

bibliothek 3

PLAY: Jürgen Knieper. 1987. Die Kathedrale der Bücher. Banda sonora para o filme Der Himmel Über Berlin / Wings of Desire de Wim Wenders:

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