Voz ao Canto

Afinal, por que é a voz extraordinária?

…a voz — tal como na fábula de Esopo —subjetiva aquele que a emite, mesmo que seja um animal. A voz pertence aos vivos; ela comunica a presença de um ser em carne e osso; assinala uma garganta, um corpo em particular.
Adriana Cavarero (2005: 177) [trad.TS]

É de facto admirável que um instrumento com características em geral semelhantes — pulmões, traqueia, laringe, boca…— possa ser representado por tantas faces e tomar simultaneamente um lugar tão específico na nossa perceção. A sua presença ou emissão adquire tal amplitude que se torna necessário atribuir um enquadramento. Quão amplas são as facetas do esgar vocal? Quantos ouvidos tange à sua passagem? Quais os limites de um órgão tão velho quanto a existência humana? 

O lugar da voz emana diferentes paisagens; no sentido “azguimiano”, a voz extraordinária resulta de um desafio lançado a compositores e intérpretes, ao rolar da ‘música erudita contemporânea’, das obras que colocam o elemento extraordinário (piano, percussão, voz… consoante a temporada) em destaque ou em cheque. O seu lado oculto é (com)posto a nu pela mão do programador da temporada, Miguel Azguime.

São quatro as vozes extraordinárias, 4 recitais integrados nas Festas de Lisboa 2018 durante o mês de Junho, nos dias 22, 23, 29 e 30 às 21h30 no O’culto da Ajuda, protagonizados por Katia Guedes, Marina Pacheco, o Duo Savina Yannatou e a pianista Joana Sá, e o Duo Tágide com Inês Simões e o pianista Daniel Godinho.
No O’culto da Ajuda, Travessa das Zebras, 25.

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“se o som escrevesse o próprio som” [1]

Vozes e vozes que murmuram, discutem, contradizem, sobre e contrapõem… SILÊNCIO!!
O autor presente-ausente desautorizado pelo feitiço da linguagem — é palavra? é som? —, pelas cascas de língua cuspidas em cascata — silêncio! Ahah! —, pelas caretas de um corpo-marionete torcido no gasganete — ah, que tosse! —, pelos rabiscos pixelizados e apagados de uma folha que já não é folha, mas superfície digital que nada fixa — ora dita, ora repete! —, pela projeção de letras que carimbam a silhueta azguimática — parlez-vous français? Ach nein…! — pelas palavras de balde, homúnculo dobrado a sete, vomitando palavras, roendo, torcendo, puxando anzóis de letras — isso escreve-se? isso lê-se? —, pelo linguarejar inquinado — cerco digital em surround —, pela provocação malandra daquele que, prometendo jogar com as regras, as subverte logo ao primeiro lance.

Itinerário do Sal foi apresentado no dia 16 de fevereiro de 2018 no Teatro da Trindade, no âmbito do Festival Antena 2.
Doze anos volvidos da sua estreia na Alemanha, este Itinerário não perdeu pitada do seu alcance, farolando percursos que, não obstante os desafios performáticos rasgados ao longo do século XX, a maioria de nós ainda não ousou trilhar.


Foto: Miguel Azguime, por Paula Azguime

[1] Manuel Portela, 16/02/2007, “A presença da ausência do autor tem um som”,  blog TAGV Coimbraapud Festival Antena 2, 2018

Hipoglote

Tiago SchwäblEstreia no próximo dia 21 de Julho, na Rádio Universidade de Coimbra (RUC), o programa Hipoglote, da autoria de Tiago Schwäbl, aluno do Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura e membro do projecto de investigação Vox Media.

O programa Hipoglote: entre a voz e a palavra, pretende dar a conhecer os sons que percorrem o limbo entre a voz e a palavra, em áreas pouco conhecidas do público em geral. Do substrato da voz mais visceral – abaixo da glote – até aos harmónicos mais agudos do canto multifónico, passando por rituais esquimós, música eletrónica, gravações de campo, teatro radiofónico, composições para voz solo ou simples leituras de estórias, Hipoglote é um programa que pretende deambular pelas fronteiras da voz, tendo como ponto de partida a poesia sonora nos seus mais variados registos.

foto: Adam WalanusO programa contará, na sua emissão de estreia, com uma entrevista a Miguel Azguime,  que esteve em Coimbra a propósito do Encontro Nacional de Composição Musical: Perspectivas Educacionais, realizado no Conservatório de Coimbra entre 11 e 12 deste mês.

Hipoglote, programa semanal dedicado à poesia sonora e às fronteiras da voz, vai para o ar todas as 5as, à 1h da manhã. Pode ser ouvido, noite fora, em live streaming aqui ou em qualquer aparelho de rádio em 107.9FM.