“Desescrever”

Desescrever, proposta de Márcia Lança, Rafael Frazão e Carolina Campos para uma das performances que perfazem Gerúndio, festival organizado por Miguel Oliva Teles, apresentou, no dia 29 de outubro de 2024, em Lisboa, “formas materiais e concretas de desescrever palavras.”

Foi na Travessa do Calado/ Fórum Dança que, calados, mas soltando aqui e ali um ah de êxtase, assistimos, qual enxame de curiosos, à deflagração erosiva da matéria. Numa sala-estaleiro, palavras (Segurança, Oferta, Inspirador, Prémio, Luxo, Novo, Único, Exclusivo, Elegante, Desconto, Sucesso, Moderno, Resultado, Extra, Útil, Comprovado, Rápido, Confiável…) articuladas em diferentes elementos (ferro, giz, verniz, manteiga, berlindes, fósforos, espuma, ímanes…) aguardam a intervenção (pisadura, esmagamento, raspagem, derretimento, vaporização, aspiração, ignição, choque, vibração, escorrimento, dobragem, pintura, amalgamento, pulverização, descongelamento, deglutição…). Os performers/ guias/ técnicos/ cientistas (?) vão aplicando as forças e os reagentes, e o público avalia os estragos.

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Do you want to make a noise? Yes? Make one.

.                                                                                        Cornelius Cardew. 1968. Scooltime Special – B

Instruções de Execução

Notas à margem do workshop Partituras verbais: Ver e Fazer, por Sérgio Abdalla, entre 17 e 19 de Julho de 2018, na Lisboa Incomum.

Partitura é geralmente definida nos dicionários como um suporte gráfico para (a)notações inscritas/ impressas, construindo uma composição que será depois interpretada e traduzida em som. 
A amplitude de abertura desta descrição é tal, que este mesmo post poderia ser considerado, em sentido lato, uma partitura; contudo — galgando aqui a historiografia da notação musical —, este será o aspeto convencional de uma partitura de “música erudita contemporânea” :

Heinz Holliger. 1981. Estudo II para Oboé [excerto]

Esta é a linguagem que a maioria dos músicos está habituada a ler . Mas há sempre momentos onde — em maior ou menor medida — as fronteiras são desafiadas, criando problemas de leitura e interpretação, clivagens de correspondência entre significante e significado, entre o ‘comando’ gráfico e a imagem sonora a reproduzir. 

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