O Som e o Corpo: Duas Partituras Paralelas

FLORA DÉTRAZ ou A Bailarina Com Voz

Luz encadeando o público, fundo preto raiado a entreluz que uma silhueta faz oscilar e entrechocar ao entrar, procuramos no escuro, emerge sentada uma figura de amarelo que nos fixa. Um contínuo som [canto multifónico] grave e a sua repartição em harmónicos situa-se/-nos — quase coincide — algures na rapariga sentada, mas ela permanece imóvel. Subitamente inclina o corpo e vira a face, como se ela própria escutasse, procurasse a fonte sonora; a garganta revela o ataque à nota fundamental, mas todo o rosto queda impassível. Esta cena é lenta, protocolar, como o exige a ritualidade musical. A nota acelera, a língua interfere em jogo oclusivo e alveolar,  e do corpo inclinado para a frente pinga um fio de saliva, a exteriorização líquida e aprumada do caos interior.

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