VOX MEDIA. O SOM NA LITERATURA
Colóquio I
27 de Novembro de 2015
Instituto de Estudos Brasileiros – FLUC
O 1º colóquio Vox Media. O Som na Literatura visa apresentar publicamente o trabalho realizado, no Programa de Doutoramento em Materialidades da Literatura, numa área de pesquisa unificada pelo estudo das materialidades sonoras da comunicação na literatura e no diálogo desta com áreas limítrofes (performance, tecnologias de gravação e reprodução, intermedialidade, remediação, etc.).
Resumo das comunicações
9h30m-11h
O som no momento da escrita e no da interpretação vocal de um texto escrito — objetos e gravações sonoras
José Geraldo [Estudante do Programa de Doutoramento em Mat Lit]
A literatura auditiva é normalmente identificada com a interpretação vocal de um texto escrito, que acontece ao vivo diante de um público, ou que está registada em suportes audio ou audio-visuais (discos, CDs, DVDs, etc.). Em todos estes casos existe um texto escrito prévio que é interpretado depois, pelo autor ou por outros, normalmente obedecendo a modos musicais que os ouvintes identificam como modos de dizer literatura.
Se retirarmos a interpretação de um texto, a literatura auditiva fica limitada aos sons que o acto de escrita ou o próprio autor produziram no momento em que o texto é escrito. Os objectos sonoros daí resultantes não seriam, muito provavelmente, identificados como literários, uma vez que, na maioria das vezes, não obedeceriam a nenhum modo musical reconhecido pelos ouvintes como adequado à literatura. Não deixariam, por isso, de ser profundamente literários. Um exemplo deste desconhecido universo de sons, que não se encontra registado em gravações, encontrei-o num excerto do romance Misery de Stephen King — o som da relação de um escritor (que não fala) com a folha em branco e uma máquina de escrever.
Ninguém sabe a voz que tem: Manuel Bandeira e a leitura pública de poesia
Osvaldo Manuel Silvestre [Professor do Programa de Doutoramento em Mat Lit, FLUC-CLP]
Em crónica de 28 de julho de 1929, com o título «Os poetas e os seus intérpretes», Manuel Bandeira descreve recitais de poesia de duas famosas declamadoras brasileiras – Eugênia Álvaro Moreyra e Berta Singerman – e discute os problemas dos «recitais de declamação», sobretudo em tempo em que os poetas «escrevem mais para serem lidos». O autor voltaria ao assunto em 1955, numa crónica dedicada aos «Jograis de São Paulo» e numa outra, «Poesia em disco», sobre as gravações da sua própria poesia em disco. A palestra visará discutir as posições de Bandeira, confrontando-as com a questão da Voz na poesia moderna e, em particular, com a da reprodução mecânica da voz do poeta, tentando perceber de que modo as reflexões de Bandeira, bem como os discos que gravou (e, ainda, o filme que fez com Joaquim Pedro de Andrade: «O poeta do castelo»), nos ajudam a perceber a sua poesia e o seu perfil de poeta moderno.
11h30m-13h
Play a-Long: um LP de Alessandra Eramo em escuta
Tiago Schwäbl [Estudante do Programa de Doutoramento em Mat Lit]
A tentativa de reconhecimento e receção da poesia sonora conduz à triangulação de um LP de Alessandra Eramo a partir de: a) o medium aglutinante, b) a voz diferida e c) o rasto que resta. Dworkin (2013) e Dolar (2006) estarão presentes.
Do fio que canta às vozes etéreas: Eletricidade, Tecnologia e Voz
Nuno Miguel Neves [Estudante do Programa de Doutoramento em Mat Lit]
O conto De Viagem, da autoria do escritor polaco Sławomir Mrożek, servirá de ponto de partida para uma abordagem às materialidades da voz e da comunicação que nos levará ao início da história das tecnologias de gravação e reprodução sonora.
Assumindo o conceito de Ensoniment, de Jonathan Sterne, o telégrafo, o fonógrafo, o gramofone e a rádio, serão aqui tidos como o culminar de um processo de reconceptualização do som que servirá para promover uma reflexão sobre as possibilidades de comunicação à distância e sobre os efeitos do meio na Voz.
15h-16h30m
Voz, mediação e mediação radical
Pedro Serra [Professor do Programa de Doutoramento em Mat Lit, CLP-Universidade de Salamanca
Estudo de caso a definir, sistematizando algumas reflexões sobre a investigação tanto dos ‘meios da voz’, como da ‘voz do meio’ ou da ‘voz como meio’. Para o efeito, e num recorte provisório, implico [com] os seguintes dois artigos: de John Guillory, «The genesis of the media concept» (Critical Inquiry, 36.2, 2010, 321-362); e, de Richard Grusin, «Radical mediation» (Critical Inquiry, 42.1, 2015, 124-148).
O Som da Linguagem e o Ruído do Mundo
Manuel Portela [Diretor do Programa de Doutoramento em Mat Lit, FLUC-CLP]
Através da análise de um passo de Finnegans Wake, de James Joyce, e de um excerto de Roaratorio, de John Cage, mostrarei as diferenças entre o código da escrita como representação da linguagem natural e o registo da voz e dos sons enquanto inscrições não semióticas. Na medida em que o ponto de partida da obra de Cage é o texto de Joyce, veremos ainda que relações se estabelecem entre a especificidade medial da literatura e a especificidade medial da gravação sonora. Se Joyce expande as fronteiras da experiência literária através da manipulação dos códigos da escrita e da linguagem, Cage expande as fronteiras da experiência musical através de uma redefinição medial da consciência sonora do mundo. Finnegans Wake e Roaratorio permitem-nos distinguir e relacionar os modos de presença alfabética e fonográfica do som.
Site e Concerto
17h
Apresentação do site do projeto Vox Media. O Som na Literatura
Nuno Miguel Neves
O site do projeto Vox Media. O Som na Literatura será estratégico para pensar o futuro da área, quer do ponto de vista da sua visibilidade externa, quer do da produção de uma componente de arquivo no qual se disponibilizem materiais da pesquisa dos vários doutorandos. Será apresentada a estrutura do site, que criará um modelo para os sites de outros projetos de investigação das Materialidades da Literatura.
18h
Concerto de Olhos Vendados
Luís Antero, na Sala do Carvão (Casa das Caldeiras)
Que importância tem o som no nosso dia-a-dia? Continua a ser, como preconizado por Murray Schafer nos idos de 1970 do século passado, o mais negligenciado elemento da nossa paisagem? Não será o som também caraterizador da identidade das nossas aldeias, vilas e cidades? Qual será, por exemplo, o som produzido por formigas em contacto com um microfone? E o dos veados na sua brama sazonal? E o dos moinhos e rodas de água, misturado com as histórias de vida de pastores e agricultores de mãos calejadas pelo tempo?
É na tentativa de resposta a estas questões que surge o conceito Concerto Para Olhos Vendados, partindo da premissa de que muitas vezes paramos para ver, mas raramente o fazemos para ouvir!
O público é convidado a vendar os olhos, deixando que outros sentidos despertem…
Comissão Científica: Manuel Portela, Osvaldo Manuel Silvestre, Pedro Serra
Comissão Organizadora: Nuno Neves, Tiago Schwäbl
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